Como vigias de um belíssimo pomar, pôs o príncipe Tavir um cego e um coxo. Cumpria ao cego, dotado de ouvido muito apurado, gritar ao mais leve rumor, e coxo devia estar sempre atento e vigilante para surpreender qualquer intruso. O príncipe, recomendou-lhes, sobretudo, que guardassem, com maior cuidado, os frutos da ameixeira, precisos frutos em verdade.
Refletiu o príncipe:
- Não serei roubado por esses guardas. Um é cego e não vê os frutos maduros; o outro é coxo e não os poderá alcançar.
Durante as horas de vigia,o coxo, com palavras exuberantes e comparações fantasiosas, descreveu ao cego os deliciosos frutos de que as árvores estavam pesadas.
Insinuou o cego em tom meio cauteloso:
- Que fazemos nós de não os colhermos?
E como apanhá-los, meu amigo - Lamentou o coxo - Tu és cego e eu mal posso andar.
- Não passas de um tolo! - obtemperou o cego - Arrasta-te, se puderes, até aqui, pois já encontrei o meio de resolvermos o caso.
Arrastou-se o coxo até o lugar em que se achava o cego: este colocou o aleijado às costas e guiado por ele, pode aproximar-se da ameixeira mais carregada. Aí o coxo colheu muitas frutas que ambos saborearam.
Horas depois o príncipe foi observar o pomar e certificar-se da eficiência dos novos vigilantes. Ao primeiro golpe de vista nas suas árvores prediletas percebeu que havia sido roubado.
Era preciso descobrir os culpados. Interrogou os guardas.
- Senhor! - declarou o coxo com fingida humildade - como poderia eu saquear uma árvore, alcançar-lhe os galhos se mal posso me arrastar de um canto para o ouro?
- Muito bem! - concluiu refletidamente o príncipe. - Não duvido que estejam ambos inocentes.
Tendo, porém, meditado sobre o caso descobriu logo o ardil que os seus desonestos empregados haviam posto em prática. Chamou dois guardas e ordenou que colocassem o coxo às costas do cego e aos dois (assim agrupados) mandou, com ferina decisão, aplicar uma série de bastonadas.
Assim, também, no dia do Juízo, a alma dirá, para justificar os seus erros:
- Só o corpo é culpado: só ele cometeu o pecado. Quando nasci, voava puríssima como um pássaro.
E o corpo, receoso do castigo, insistira com momices na voz e no gesto:
- Senhor! Só a alma é culpada; ela é que me impelia à infâmia e ao pecado; eu, pobre de mim, nada fiz! Como poderia incidir no erro se a alma não me animasse?
E Deus, o Supremo Juiz, colocará de novo a alma dentro do corpo e dirá:
- Eis aqui como haveis pecado. E, assim, só assim, será feita Justiça!
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Robot, pagina 169, 2. Cfr. R. Cassino-Assens, ob. cit., pagina 232.
Essa belíssima parábola é atribuída ao famoso Rabi Jochanan Ben Zacai, discípulo do Grande Hillel. Achava-se o Rabi Jochanan em Jerusalém quando essa cidade foi atacada e destruída por Tito. Cfr. Moisés Beilinson. ob. cit., pagina 117.
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