domingo, 2 de abril de 2023

UMA DIVISÃO DE CAMELOS - Por Malba Tahan

 


A singular aventura dos 35 camelos que deviam ser repartidos por tês árabes. Beremis Samir efetua uma divisão que parecia impossível, contentando plenamente os três querelantes. 
No final obtivemos um luro inesperado co a transação.

        Poucas horas havia que viajávamos sem interrupção, quando nos ocorreu uma aventura digna de registro, na qual meu companheiro Beremis, com grande talento, pôs em prática as suas habilidades de exímio algebrista. 

         Encontramos, perto de um antigo caravançará (Caravançará é um refúgio construído pelo governo e por pessoas piedosas à beira do caminho, para servir de abrigo aos peregrinos. Uma espécie de rancho de grandes dimensões em que se acolhiam caravanas.) meio abandonado, três homens que discutiam calorosamente ao pé de um lote de camelos. 

           Por entre pragas e impropérios gritavam possessos, furiosos: 

           - Não pode ser! 

           -Isto é um roubo!

           - Não aceito!

           O inteligente Beremis procurou informar-se do que se tratava. 

         - Somos irmãos - esclareceu o mais velho - e recebemos, como herança, esses 35 camelos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo eu receber a metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte e ao Harim, o mais moço, deve tocar, apenas a noma parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 camelos, e cada partilha proposta, segue-se recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio. Como fazer a partilha se a terça parte  e a nona parte de 35 também não são exatas? 

          - É muito simples - atalhou, o "home que calculava", - Encarrego-me de fazer, com justiça, essa divisão, se permitires que eu junte aos 35 camelos da herança, este belo animal que, em boa hora, aqui nos trouxe!

           Neste ponto, procurei intervir na questão: 

           - Não posso consentir em semelhante loucura! Como poderíamos concluir a viagem, se ficássemos sem o nosso camelo?

           - Não se preocupe com o resultado, ó "bagdali"! - replicou-me em voz baixa  Beremis. - Sei muito bem o que estou fazendo. Cede-me o teu camelo e verás, no fim, a que conclusão quero chegar. 

          Tal foi a segurança com que ele falou, que não tive dúvida em entregar-lhe o meu belo "jamal" (jamal - uma das muitas denominações que os árabes dão ao camelo). que imediatamente foi reunido aos 35 ali presentes, para serem repartidos pelos três herdeiros.

            - Vou, meus amigos - disse ele, dirigindo-se aos três irmãos - fazer a divisão justa e exata dos camelos que são agora, como vêem, em número de 36. 

            E, voltando-se para o mais velho dos irmãos, assim falou: 

            - devias receber meu amigo, a metade de 35, isto é 17 e meio, Receberás a metade de 36 e, portanto 18. Nada tens a reclamar, pois é claro que saíste lucrando com esta divisão!

             E, dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou: 

            - E tu, Hamed Namir, devias receber um terço de 35, isto é 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é 12. Não poderás protestar, pois tu também saíste com visível lucro na transação. 

             E disse, por fim, ao mais moço: 

             E tu, jovem Harim Namir, segundo a vontade de teu pais, devias receber uma nona parte de 35, isto é, 3 e tanto. Vais receber uma nona parte de 36, isto é 4. O teu luro foi igualmente notável. Só tens que agradecer -me pelo resultado!

            E concluiu: 

            Pela vantajosa divisão feita entre os irmãos Namir - partilha em que todos os três saíram lucrando - couberam 18 camelos ao primeiro, 12 ao segundo e 4 ao terceiro, o que d´um resultado (18 + 12 + 4) de 34 camelos. Dos 36 camelos, sobraram, portanto, dois. Um pertence, como sabe, ao "bagdal" meu amigo e companheiro, outro toca por direito a mim, por ter resolvido, a contento de todos, o complicado problema da herança!

           - Sois inteligente, ó estrangeiro! - exclamou o mais velho dos tês irmãos - Aceitamos a vossa partilha na certeza de que foi feita com muita justiça e equidade!

           E o astucioso Beremis - o !"home que calculava" tomou logo posse de um dos mais belos "jamales" do grupo e disse-me entregando pela rédea o animal que me pertencia: 

           - Poderá agora, meu amigo, continuar a viagem no teu camelo manso e seguro! Tenho um outro, especialmente para mim! 

           E continuamos a nossa jornada para Bagdá. 


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