sábado, 8 de abril de 2023

A MÁ ESPOSA E O CEGO - Por malba tahan

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      Conta-se que o judicioso Rabi, e Galileu, tinha uma esposa má e obstinada que lhe amargurava a vida. A  terrível mulher fazia-o sofrer toda a sorte de contrariedades, escândalos e humilhações; interrompia-o em seus estudos, insultava-os diante de seus próprios discípulos. Estes não se conformavam com aquelas cenas escandalosas e atribuíam a culpa ao doutor que, como marido fim àqueles vexames. Um dia, finalmente, manifestaram todos,com franqueza sua indignação e ardentemente exortaram o mestre a repudiar aquela péssima e indigna companheira.

      O bom marido procurava atenuar a culpa da esposa, escusá-la de todas as grosserias e ocultar-lhes os defeitos. Infelizmente a mulher contribuíra com valioso dote para o lar, ao passo que o doutor não possuía senão pequenos bens de fortuna. 

         Os discípulos, não querendo sofrer, por mais tempo, aquela situação de constrangimento, e movidos de compaixão pelo mestre, reuniram entre si a soma que correspondia ao dote, e induziram o rabi a indenizar a rancorosa mulher e requerer o divórcio. 

         A perversa de posse do dinheiro abandonou, sem o menor pesar, o pobre doutor; algum tempo depois enamorou-se do governador da cidade, com o qual se casou, passando muitos meses numa vida divertida e ruidosa.   

          Mas o bem dura pouco; o governador, que era um homem opulento e prestigioso, caiu na antipatia do príncipe,  foi despojado de todas as riquezas, ficou reduzido à extrema miséria, e, para cúmulo da desgraça, feriu-o súbita e irremediável cegueira. 

          Não tendo meio algum de vida, marido e mulher tiveram de recorrer à caridade  pública. Todos os dias a infeliz levava o marido cego pelas ruas, e da piedade dos transeuntes recolhia as migalhas com que se mantinha. 

           O cego, que conhecia muito bem a cidade, notou que a mulher não o levava nunca a uma certa praça que era muito concorrida. Não a censurou, mas pediu-lhe que o conduzisse até lá, porque os israelitas que moravam na tal praça seriam certamente muito pródigos nas esmolas. 

          - Esmolar entre os hebreus? retorquiu a mulher num gesto de revolta - Mas não sabes que era israelita o meu primeiro marido? Não, eu não me exporei nunca a essa humilhação. 

           O cego insistiu ainda, porém a mulher declarou que nunca concordaria em aquilo. 

          Num dos seus costumeiros passeios, o cego percebeu casualmente que se encontravam próximos da tal praça. Alterando, então, a voz e ameaçando, exigiu que a mulher o conduzisse ali. A mulher resiste; o cego pragueja e iracundo arroja-se sobre ela, segura-a pelos cabelos e começa a espancá-la com fúria. 

           Aos gritos da infeliz acodem várias pessoas, entre as quais Rabi José, o seu primeiro marido. Este, reconhecendo a sua ex-esposa, sente o ânimo agitado por penosa recordação. Procura acalmar o cego, consola a desditosa criatura, dá aos dois uma habitação de sua propriedade e,desde então, toma a seu cargo a manutenção do pobre casal. 


NOTA: Cfr, R. Cansino-Assens. ob.cit., página 110. O Rabi José, o Galileu, viveu no II Século e tornou-se, entre os tanaístas mais sábis, famoso porsua bondade. Cfr. Edmund Fleg., ob. cit., I volume, página 217.

 


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